Você já parou para pensar que quando diz “fulano fala errado” ou “beltrano fala feio” está reproduzindo um preconceito que vai muito além das palavras?
O preconceito linguístico é uma forma de exclusão social, profundamente ligada a desigualdades históricas, culturais e regionais.
No Brasil, onde convivem diferentes sotaques, variações de vocabulário, dialetos e gírias, julgar a forma de falar de alguém não é só questão de gramática: é também uma forma de manter barreiras de classe, região, raça ou orientação sexual.
O que é preconceito linguístico?
O conceito de preconceito linguístico parte da comparação indevida entre um modelo idealizado da língua — aquele que aparece nos livros de gramática normativa e nos dicionários — e o uso real da língua pelas pessoas, em suas vivências cotidianas.
Esse modelo “padrão” é uma construção artificial, muitas vezes distante do jeito de falar das ruas, das comunidades, dos interiores, das periferias e dos centros urbanos.
Na prática, ninguém fala 100% igual ao dicionário ou à gramática. E está tudo bem! Porque língua é vida, é movimento, é adaptação.
Indicação de Leitura: Preconceito Linguístico – Coleção O que É, Como Se Faz
A língua é viva — e diversa
Como explica o professor Marcos Bagno, um dos principais estudiosos do tema:
“A língua é como um rio que se renova.”
Isso significa que a língua está em constante transformação. Novas palavras surgem, gírias entram e saem de moda, expressões mudam de sentido.
E não existe um jeito “mais correto” ou “mais bonito” de falar. O que existe são variedades linguísticas, que refletem a história, a cultura e as vivências de cada grupo.
Preconceito linguístico é também preconceito social
Quando alguém diz que outra pessoa “fala errado”, raramente está se referindo apenas à forma.
Por trás desse julgamento, quase sempre existe um viés social: quem mora no interior é visto como “caipira”, quem fala com sotaque nordestino é alvo de piadas, quem mistura gírias da periferia é considerado “pouco instruído”.
Esses rótulos não têm base linguística — têm base social. Por isso, o preconceito linguístico se conecta diretamente a outros preconceitos, como o regionalismo, o racismo e a homofobia.
Basta lembrar de quantas piadas são feitas com o jeito de falar de nordestinos, de comunidades quilombolas, de povos indígenas ou de pessoas LGBTQIA+.
A forma de falar se torna mais uma justificativa para segregar.
A gramática normativa não é inimiga — mas também não é dona da verdade
Isso não significa que a gramática ou o dicionário não sejam importantes. Eles têm seu lugar: são ferramentas para padronizar a comunicação formal, especialmente em contextos oficiais, acadêmicos ou jurídicos.
Mas não são uma régua para medir a inteligência ou o valor de ninguém. Alguém pode falar usando variações regionais ou gírias e ser excelente em sua área de atuação, dominar temas complexos ou ter habilidades que vão muito além da norma culta.
Linguagem, poder e inclusão
Defender o fim do preconceito linguístico é defender o direito de todos se expressarem como são, sem serem julgados por isso.
A linguagem é um instrumento de poder: quem dita as “regras” de como falar ou escrever controla quem pode ou não ser ouvido.
Por isso, quando criticamos alguém dizendo que “fala feio” ou “fala errado”, muitas vezes estamos ajudando a calar vozes que já enfrentam outras barreiras de exclusão.
Como combater o preconceito linguístico?
Para ajudar a desconstruir essa forma de discriminação, algumas atitudes práticas fazem toda a diferença:
✔️ Pare de corrigir o outro em conversas informais, a menos que ele peça ajuda.
✔️ Entenda que cada região tem sua riqueza linguística.
✔️ Respeite o contexto: o jeito de falar entre amigos, na rua ou em casa não precisa ser o mesmo de uma redação escolar ou reunião de trabalho.
✔️ Valorize a pluralidade. Aprenda expressões novas. Curta ouvir outros sotaques.
✔️ Não use expressões como “fulano fala feio”, “beltrano fala errado”, “isso é português de pobre”.
✔️ Ensine crianças e jovens a respeitar a diversidade linguística.
O que diz Marcos Bagno, referência no tema
O professor Marcos Bagno tem livros essenciais como “Preconceito Linguístico: O que é, como se faz” — leitura obrigatória para quem quer entender o tema de forma profunda.
Ele mostra que preconceito linguístico não é sobre língua, mas sobre quem pode ou não falar, quem pode ou não ocupar certos espaços.
Não existe língua correta
A grande verdade é: não existe uma língua única, pura, perfeita ou “mais certa”.
Existe a língua em uso, moldada pelas pessoas todos os dias.
O português do Brasil não é o mesmo do século passado — e nem será igual daqui a 50 anos. E isso é ótimo! É sinal de vitalidade, de criatividade e de adaptação.
Por um mundo com menos preconceito linguístico
Da próxima vez que ouvir (ou pensar) frases como “fulano fala errado”, respire e reflita:
A quem interessa esse julgamento?
Que desigualdade ele esconde?
Como você pode contribuir para mudar isso?
A língua é viva. A língua é um rio que se renova — como diz Bagno.
Então, que tal deixar fluir, respeitar as margens, abraçar a diversidade e riscar do seu vocabulário expressões que excluem?
Compartilhe essa ideia. Fale sobre isso com amigos, familiares, colegas de trabalho.
E, principalmente, pratique o respeito. É assim que a gente faz um mundo com menos preconceito linguístico e mais inclusão.
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